Se chamava Invidia. Estava sentada em casa, frente à TV, correndo canais. Parou em um que não tinha visto ainda: o Canal Feliz! Era hora do telejornal, apresentado pelo Sr. Sorriso. E veio a primeira notícia:
Fome e miséria são erradicadas na África! Fulano de tal, que fez um projeto, e bla bla blá… enfim, não tem mais fome e miséria lá. Invidia, indiferente, continuou assistindo.
Segunda notícia: Dizia que no Brasil, no estado em que Invidia vive, a qualidade de vida havia melhorado consideravelmente. Opa! A indiferença foi promovida à pulga atrás da orelha, porque Invidia não sentia essa melhora.
Terceira notícia: A cidade em que Invidia vivia foi eleita um celeiro de talentos. Muitos habitantes que estudaram lá, inclusive no colégio em que Invidia frequentou, haviam se tornado pessoas de extremo sucesso. A pulga que estava atrás da orelha passou para o estômago.
Quarta notícia: Uma entrevista exclusiva com Rebus, um dos empreendedores brasileiros de maior sucesso do Brasil, quiçá, do Mundo. A pulga alojada no estômago começou a revirar, picar, pular, causando um mal estar, uma náusea, um enjoo insuportável. A coisa parece ter ficado pessoal. Estudei com Rebus. Lembro-me de ter ensinado a ele uma questão de matemática uma vez. Como pode ele ter tido tanto sucesso? Aí tem! Deve ser maracutaia. Pisou em alguém pra subir.
Invidia muda o canal, mas o mal estar fica… até parar em um canal que transmitia um programa chamado “Brasil Urgente!” Se a pulga no estômago fosse uma bactéria, o Brasil Urgente era um mar de penicilina. Assalto, violência, miséria, fome, injustiça. Invidia sentia um conforto fora do normal. Um entorpecente para o Ego. Respirou fundo, o mal estar parou, e o ar que saía de sua boca após uma exalação de alívio, era poesia pura.
Uma Ode aos fudidos! Para Invidia, é doloroso demais ver o sucesso de Rebus pois à remete sua própria incompetência na busca de uma vida de sucesso. Era a própria maldição Cruciatus aplicada à ela por um espelho. Em contraponto, toda a desgraça mostrada pelo “Brasil Urgente” era para Invidia um potente anestésico. Afinal, tanta desgraça acabava por lembrá-la de que sua vida medíocre não era tão ruim assim. Tem gente pior… tem gente muito pior!
Pìor que é assim mesmo Flávio. Muita gente prefere continuar com a filosofia do ‘podia estar pior’ e se acomodar. Muito mais cômodo trocar o canal da TV….
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Concordo Érika. O não comodismo poderia significar ter que assumir a inveja sentida. Tem um vídeo do youtube do Leandro Karnal em que ele fala da fórmula para descobrir seus amigos: quando for encontrar um amigo e ele lhe perguntar como está a vida, responda-lhe que não podia estar melhor. Fui promovido, tenho um ótimo casamento, não devo ninguém, esse anos já viajamos duas vezes para a Europa… e por aí vai. Os poucos que ficam felizes com tal situação sua são verdadeiramente amigos seus. E é mais legal ainda analisar o contraponto. Se o discurso fosse de aperto, dívida, fome, a pessoa do outro lado não sente um mal estar tão grande e certamente estaria disposta a lhe ajudar. Minha dúvida seria: tal solidariedade é genuína e ela realmente estaria disposta a ajuda-lo despretensiosamente, ou isso não acaba sendo um disfarce para que ela de alguma maneira se sinta importante e até bem consigo mesma em não estar em uma situação tão ruim? Questão legal pra um próximo texto. De qualquer maneira, muito obrigado por comentar. Isso só engrandece o meu conhecimento e a experiência no blog. Um grande abraço!
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O complexo de vira-lata do brasileiro é o ápice da medíocridade
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Muito bom!!! Freud explica isso!!! Nós não gostamos do sucesso do outro, mas quando algo de ruim acontece com o outro o primeiro pensamento é: Que pena! Mas que bom não não aconteceu nada comigo.”. Isso é porque a gente tem a pulsão de vida e a pulsão de morte. E esta última, estamos sempre tentando fugir dela.
No caso de quem acha que tem gente pior e não se move para melhorar, nem sempre esse ato é inconsciente. Tem gente que você mostra a oportunidade na cara da pessoa e ela não enxerga e tem outras, que ela enxerga o caminho e se autossabota. Está aí o grande pulo do gato: descobrir o porquê dessas pessoas se comportarem assim… É como ir cavando e cavando até chegar o bendito trauma.
Mais uma vez, excelente texto!!! Bjoquitas
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*nem sempre é um ato consciente, mas incosciente!!!
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Lendo mais uma vez seu comentário, veio um insight: o trauma só é bendito depois de ressignificado., hehehe… até lá o caminho é árduo como você bem disse. Muito obrigado pela contribuição! Abraços!
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Muito bom o texto. E confesso que já passei pelas situações citadas por Bruna Medeiros, de achar que por existir situações piores, a minha vida estava melhor e por saber o caminho e autossabotar. Acredito que comigo foi um ato inconsciente. De qualquer forma, achei o texto um sinal de alerta, de que todos podemos melhorar. Invidia estou na mesma escola que Rebus, porque não teria a mesma chance de sucesso??? Acho que de fato tem um bendito trauma.
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Mais satisfeito do que você ter gostado do texto, é o fato de ele ter levado a uma reflexão sobre situações em sua vida em que você se viu como Rebus ou como Invidia. Se já serviu para pensar no assunto, o blog já está cumprindo seu papel. Muito obrigado pelo comentário!
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Exemplo muito interessante de comportamento humano, MT bem bolado! Às vezes nós somos Invidia.
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Muito obrigado pelo carinho!
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